sábado, 15 de outubro de 2011

Você acha que escreve, mas rabisca.

 Você sente que abraça, mas se despede. Você vê uma borboleta e um girassol onde o tempo colocou uma rosa despetalada e um amontoado de espinhos sem cor. Você aposta na amizade, mas chama pela solidão quando se perde. Você jura que é livre, e vê nas grades apenas linhas a serem preenchidas. Você tem azar no jogo e mais ainda no amor, e tem a impressão de que isso daria uma música bonita, algum dia. Mas você consegue compor, menina? Você sequer sabe fazer uma nota num instrumento? Você consegue abrir a boca e dizer alguma coisa antes que uma espada atravesse o seu ventre? Você consegue deixar de sonhar, criança?
 Você dança na vida, mas não há melodia a ser acompanhada. Você chora nos cantos, mas não há lugar para que essas lágrimas caiam. Você pisa em cacos de vidros nas pontas dos pés, e acha que por isso é bailarina. Você sabe que é tudo verdade, e é aí que você se engana.Você tem medo de ser mal interpretada, mas sabe que se alguém lhe interpretasse corretamente, de nada adiantaria.
 Você nasce e se desfaz.
 Você urra e acaricia a alma solenemente
 Você cria e não se lembra
 Você espalha e tropeça no próprio lixo
 Você é igual a mim, criança. E o que resta a nós, que somos imperfeitos? Eu lhe digo, minha cara. O que nos resta é dar uma piscadela para o espelho, esperar que ele entenda a nossa trama e, enfim, apertarmos as mãos dos nossos companheiros de farsa expostos na camada de vidro que recobre a película prateada dos nossos palcos. Às favas quem me diz que são reflexos esses palhaços que sapateiam sempre que viramos as costas! Prossigamos sem imitações, sem rastros, sem identidade a ser revelada. Com o coração na mão e a antiética nos dedos, refaçamos nossas estruturas jamais finalizadas.
E que rufem os tambores. De novo.




















Neemias Melo

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